Na reportagem ‘O inferno das eólicas’, a agência alemã @dw.brasil revela como os parques eólicos e solares que colocaram o Brasil entre os líderes globais dessas fontes renováveis estão causando transtorno a cerca de 60 mil pequenos agricultores que vivem sobre o platô elevado da Serra de Santana, microrregião do Seridó do Rio Grande do Norte onde estão os municípios de Bodó, Cerro Corá, Florânia, Lagoa Nova, Santana do Matos, São Vicente e Tenente Laurentino Cruz.
A reportagem aponta que, para muitos moradores da Caatinga, o sonho da energia verde virou um pesadelo, devido à permissividade das normas que regulam o tema e a falta de assessoria jurídica adequada aos que arrendaram suas terras.
Um dos principais problemas é a falta de uma norma que estabeleça uma distância mínima entre um aerogerador e as residências. Uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), de 2014, apenas determina que parques com turbinas instaladas a menos de 400 metros de residências incluam em seu estudo de impacto ambiental o índice de ruído "visando o conforto acústico e a preservação da saúde da comunidade".
Na Alemanha, a distância mínima entre aerogeradores e residências é de um quilômetro, definida por lei federal. Na França, a distância mínima é de 500 metros. Na Serra de Santana o repórter Gustavo Basso visitou residências com hélices girando a apenas 75 metros de distância das residências.
A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeolica), Elbia Gannoum, reconhece à DW que situações como essa são inadequadas. A entidade considera que qualquer distância menor que 200 metros não atende parâmetros mínimos de bem-estar dos moradores locais, e afirma que um de seus objetivos prioritários é reparar empreendimentos que estejam em desacordo com esse parâmetro, mesmo que tenham sido construídos dentro da lei.
Incidência solar
O Nordeste, com ventos fartos e ampla incidência solar, é a região mais atrativa para a construção desses parques de energias renováveis, que beneficiam também a indústria e a geração de empregos, relata a @dw.brasil.
A região responde por mais de 80% da energia eólica e solar produzida no país, e tem possibilidades para ampliar a geração e os ganhos com essa eletricidade na próxima década.
A Serra de Santana tem um papel importante nesse contexto. Os ventos fortes e constantes sobre o platô elevado da serra, que se espalha sobre sete municípios, tornam a região atrativa para a instalação de aerogeradores.
De 2016 a 2023, 20 parques eólicos entraram em operação na região, com uma potência total de 497MW. Segundo cálculos da DW, se operasse continuamente com 100% de aproveitamento, esse complexo conseguiria abastecer uma cidade de 1,7 milhão de pessoas durante um ano.
Palavras ao vento
A maioria dos contratos de arrendamentos para a instalação de empreendimentos eólicos é válida por 35 anos, com renovação automática por outros 25, com valor de R$ 12 mensais por hectare.
Outras cláusulas preveem que qualquer embaraço fiscal ou tributário é de responsabilidade do proprietário, que deve deixar o terreno pronto para a instalação dos equipamentos, e que somente quando o parque inteiro estiver operando ele receberá 1,8% do valor da energia vendida.
Com relação à extração das árvores frutíferas em produção, a indenização varia entre uma muda nova ou R$ 250 por árvore. A maioria dos 60 mil pequenos produtores rurais da Serra de Santana está envolvida no cultivo de caju, feijão, mandioca e mamão.
Em todo o Rio Grande do Norte, as empresas do setor já controlam pelo menos 262 mil hectares, o que representa 5% da área do estado, segundo levantamento da ONG Repórter Brasil. Metade dessa área está nas mãos de 27 empresas brasileiras. Ao todo, os parques em operação, em construção ou já previstos têm contratos com pelo menos 1.915 imóveis rurais em 51 municípios.
Com informações Gustavo Basso, @dw.brasil.
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