O Brasil tornou-se um país laico (aquele que não tem uma religião oficial, sendo neutro e imparcial em relação aos temas religiosos) em 7 de janeiro de 1890, com a promulgação do Decreto 119-A, durante o governo provisório de Marechal Deodoro da Fonseca. A medida também garantia a liberdade de crença e culto; o casamento civil, tornando o casamento religioso opcional; e a administração dos cemitérios pelo poder público, antes sob o domínio das igrejas.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em vigor, também estabeleceu a separação entre Estado e religião. Contudo, entre a teoria e a prática, a laicidade do Estado esbarra na tradição e na cultura do povo brasileiro. Repartições públicas ostentam símbolos religiosos e a própria Constituição crava, em seu preâmbulo, a expressão “sob a proteção de Deus”.
Nesse contexto, o presidente Fernando Henrique Cardoso, baseado no fato de que o país ostenta uma grande população cristã, sancionou sem culpas a Lei 9.093/1995, decretando os feriados civis e religiosos brasileiros.
Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, conforme a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão.

Sexta-Feira Santa
A Sexta-Feira da Paixão, ou Sexta-Feira Santa é parte do tríduo pascal, celebração da Igreja Católica que retoma a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. A data varia a cada ano porque tem como referência o período da Festa de Pessach (páscoa judaica), citado nos evangelhos cristãos.
“Quando a gente vislumbra o período de preparação para a páscoa, isso vai acontecer por uma tradição que vem desde antes do período cristão, e já era praticada pelo judaísmo”, explica Ana Beatriz Dias Pinto, doutora em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Segundo a especialista, os escritos relatam que, para os judeus, a festividade ocorria no sábado e domingo de lua cheia após o equinócio da primavera (no Hemisfério Norte) e outono (no Hemisfério Sul).
“Quando Jesus foi sentenciado à morte, eles precisaram antecipar o momento de crucificação dele - que foi o castigo imposto na época - para que não atrapalhasse as festividades dos judeus. Então, acabou sendo numa sexta-feira”, diz.
Na celebração judaica, a data em que Jesus Cristo foi morto coincidiu com os preparativos da Festa de Pessach. Tradicionalmente um cordeiro é morto em sacrifício para a proteção das moradias sujeitas à décima praga no Egito, que previa a descida do anjo da morte, quando todos os primogênitos seriam mortos em razão da escravização do povo judeu.

Evangelhos
“A interpretação teológica desse evento é fundamentada nos evangelhos, principalmente o Evangelho de João e também nas Cartas de São Paulo, quando ele vai falar que Cristo era a verdadeira Páscoa e foi imolado [morto em sacrifício]”, explica Ana Beatriz.
A ruptura histórica e cultural promovida pelo sofrimento de Jesus Cristo, posto em sacrifício, impulsionou a criação de uma nova religião, destaca a teóloga.
“Um homem de carne e osso, que acaba sendo morto e, pela espiritualidade, se compreende que ele veio para cumprir as escrituras. Então, ele vai demonstrar que não existe mais só a necessidade de se sair da escravidão para a liberdade, mas que havia a necessidade desse povo sair do contexto de pecado para um contexto de amor”, reforça Ana Beatriz.
A sexta-feira retoma exatamente os últimos passos de Jesus até a sua morte, no dia em que foi sentenciado e penitenciado a carregar a cruz na qual seria pregado até perder a vida. Para católicos, na liturgia da Sexta-Feira Santa não acontece o momento da eucaristia, que é uma ação que dá graças à presença de Jesus Cristo. “Dentro dessa dinâmica do simbolismo, a ausência da celebração eucarística está ligada a um caráter de luto. Os católicos entram em luto na quinta-feira à noite”, frisa Ana Beatriz.
A missa celebrada na data também reserva um momento de adoração da cruz para destacar o sacrifício de Jesus Cristo para redimir o mundo dos pecados, detalha a teóloga.
“Aqui no Brasil, por termos uma tradição latina, a gente é muito passional. Muita gente beija a cruz, se ajoelha diante dela. Na Europa, por exemplo, as pessoas se aproximam da cruz e fazem uma reverência com a cabeça. Em alguns lugares, fazem uma genuflexão [dobram os joelhos], mas não tem essa coisa de tocar e beijar. Cada povo vai ter um costume”, afirma.
Também é na Sexta-feira Santa que tradicionalmente algumas cidades encenam a Via Sacra, para relembrar a trajetória de Jesus até a morte e o significado da Paixão de Cristo, que se pôs em sacrifício pela humanidade.
“O tom que pela tradição da igreja se pede é de austeridade, silêncio, contemplação e luto. É realmente um momento de se lembrar que uma pessoa morreu, que é o líder máximo do cristianismo”, enfatiza.

Sincretismo
No Brasil, desde a chegada dos portugueses, o cristianismo foi adotado como religião oficial do Império e a tradição foi mantida após a Independência em relação a Portugal.
“Apesar do Brasil ser um estado laico, acabou sendo convencionado que se manteria esse calendário como feriado, porque se faz parte da cultura do povo, da tradição e dos costumes. Se isso faz sentido para o povo, não tem por que retirar do calendário”, reforça.
Além das religiões cristãs, muitas outras celebram a Páscoa com liturgias que trazem um simbolismo próprio.
“A umbanda e o candomblé, que são algumas das maiores religiosidades de matriz africana no país, a Quimbanda e o Batuque vão celebrar a Páscoa como uma festa de renascimento espiritual. Vão fazer festas para Oxalá, que seria o orixá associado à figura de Jesus Cristo, porque a gente tem um sincretismo muito grande entre as matrizes africanas e o catolicismo”, salienta Ana Beatriz.
No próprio cristianismo, as práticas e interpretações também variam, afirma a teóloga. “Na doutrina espírita, a ressurreição de Jesus é vista como uma evolução, uma sobrevivência do espírito. Eles não vão ter rituais, mas eles respeitam como um símbolo de renovação interior. E eles, evidentemente, têm também a figura de Jesus Cristo como um profeta, como alguém muito evoluído.”
Para a pesquisadora, a Semana Santa é um período para reflexões independentes de uma religião e que pode motivar até mudanças sociais.
“Hoje, a gente pode reinterpretar também o sentido da Páscoa como uma oportunidade de a gente olhar para nós mesmos, para a nossa realidade social, para a nossa realidade econômica, política e pensar, a partir daí, o que a gente quer para a nossa sociedade?”, conclui.
População residente por religião Brasil
- Católica Apostólica Romana – 64,627%
- Evangélicas – 22,162%
- Espírita – 2,018%
- Umbanda e Candomblé – 0,309%
- Budismo – 0,128%
- Judaísmo – 0,056%
- Islamismo – 0,018%
- Hinduísmo – 0,003%
- Sem religião – 8.039%
Fonte: IBGE-Censo Demográfico 2010
Com informações, Fabíola Sinimbú, Agência Brasil; https://brasilescola.uol.com.br
Acesse o estudo ‘Estado Laico e Direitos Fundamentais’>>