Logo Agência Cidades
#TheLancet

Os filhos do vizinho

25,4% das gestantes deixaram seus municípios de residência para dar à luz em um hospital do SUS em cidades vizinhas

15/02/2025 - 08:30 Por Wilson Lopes

O artigo ‘Acessibilidade geográfica aos partos hospitalares no Brasil (2010–2011 e 2018–2019): um estudo transversal’, publicado na revista ‘The Lancet Regional Health – Americas’, uma plataforma mundial de pesquisa científica, deu à luz uma verdade inconveniente, daquela que nivela o Brasil aos países medianos em se tratando de saúde pública.

O estudo revela que uma em cada quatro mulheres (25,4%) precisou sair do seu município de origem para dar à luz em hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) em cidades vizinhas. 

Produzido por Priscila Costa Albuquerque, Lucas Lopes Felipe, Juliana Freitas Lopes, Wagner de Souza Tassinari, Fabio Zicker e Bruna de Paula Fonseca, pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), o artigo mostra que esse percentual vem crescendo ao longo dos anos.

Passou de 23,6% (2010/2011) para 27,3% (2018/2019). A distância (54,0 km para 70,8 km) e o tempo de viagem (63,1 min para 84,3 min) também cresceram 31,1% e 33,6% respectivamente, no período analisado.

Fonte: Geographic accessibility to hospital childbirths in Brazil (2010–2011 and 2018–2019): a cross-sectional study

O levantamento, que mapeou 6.930.944 partos hospitalares, reforça a existência das desigualdades no acesso ao parto hospitalar no Brasil e sugere que o acesso geográfico pode influenciar negativamente os desfechos de saúde.

O texto destaca que o problema é mais grave no Norte e Nordeste, onde as gestantes percorrem as maiores distâncias (entre 57km e 133 km) e enfrentam mais dificuldades de acesso (entre 54 e 355 min). 

Bruna Fonseca: “Embora as políticas busquem reduzir a distância de viagem, elas não definem referências para o que é de fato aceitável para dar à luz”

A coordenadora do estudo, Bruna Fonseca, destaca a presença dessas diferentes realidades entre as regiões do país. “Para efeito de comparação, no Sudeste e no Sul do Brasil, essas viagens costumam ser bem menores: elas podem variar entre 37 km e 56 km, durando entre 38min e no máximo 52min”, reforça.

A pesquisadora explica, também, sobre os desafios de promover o acesso adequado a uma rede obstétrica regionalizada. “Embora algumas políticas busquem reduzir a distância de viagem, elas não definem referências específicas para o que é de fato a distância e o tempo aceitável para dar à luz”, diz. “A regulamentação atual estipula uma taxa de 0,28 leitos obstétricos para cada 1.000 habitantes dependentes do SUS, mas existem muitas diferenças regionais - tanto etária, como nas taxas de fecundidade e nas práticas de parto hospitalar ou domiciliar. É importante que as políticas deem conta dessa heterogeneidade dos territórios existentes no Brasil”.

Óbito materno X distâncias e tempos maiores

Outro achado do estudo é que mulheres que enfrentaram óbito materno e/ou neonatal viajaram por distâncias e tempos maiores para dar à luz no SUS. Enquanto as mulheres com resultados normais no parto viajaram 74,9 km/85,0 min, elas viajaram 94,0 km/100,9 min no último biênio analisado (2018-2019) pela pesquisa.

“Isso sugere que a distância e o tempo de viagem podem ser potenciais fatores de risco para mães e recém-nascidos, mas existem outros fatores a serem considerados, tal como o estado de saúde da gestante, a infraestrutura hospitalar ou o acesso ao pré-natal. [...] Em análises futuras, o uso de técnicas multivariadas se mostra fundamental para entender melhor como diferentes fatores, além do tempo e distância, contribuem para resultados maternos e neonatais adversos”, pontua a cientista.

O intervalo de tempo analisado buscou representar duas fases distintas da atenção materno-infantil, conforme definidas pela Portaria nº 1.459/2011 do Ministério da Saúde (MS), que instituiu a Rede Cegonha. “A Rede Cegonha tinha como objetivo melhorar o acesso e a qualidade do cuidado à gestante e ao bebê. Por isso, a gente quis acompanhar ao longo do tempo a mudança que poderia vir com essa política”, explicou Fonseca.

Com participação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o levantamento usou dados agregados nacionais do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do SUS e os cientistas estimaram fluxos de viagens, distâncias e tempos entre os municípios de residência das mulheres e os hospitais.

O estudo mostra que expandir e redistribuir as unidades de saúde em áreas carentes garantirá um acesso mais equitativo aos serviços de maternidade (EAN?Danilo Avanci-SESA)

 Conclusões do Artigo: 

  • O estudo indica um desafio potencialmente crescente para garantir o acesso à assistência obstétrica, pois mulheres que fizeram cesárea tiveram mais probabilidade de viajar entre cidades do que aquelas que tiveram partos vaginais
     
  • Mulheres que sofreram morte materna e/ou neonatal percorreram distâncias e tempos maiores. 
     
  • Os resultados destacam disparidades regionais no acesso aos serviços de saúde materna dentro do SUS, o que pode afetar os resultados maternos e neonatais. 
     
  • Medidas de saúde pública direcionadas são necessárias para melhorar a disponibilidade do serviço, particularmente nas regiões Norte e Nordeste, onde os problemas de acesso são mais graves.
     
  • Expandir e redistribuir as unidades de saúde em áreas carentes garantirá um acesso mais equitativo aos serviços de maternidade. 
     
  • Os formuladores de políticas devem considerar fornecer subsídios de transporte ou serviços especiais de transporte de saúde para gestantes em áreas remotas. 
     
  • Ao usar ferramentas como big data e mapeamento geográfico, os formuladores de políticas podem avaliar com mais precisão as mudanças nas necessidades da população e alocar recursos de forma mais eficaz para melhorar o acesso à assistência médica materna em todo o Brasil.

Acesse o artigo ‘Geographic accessibility to hospital childbirths in Brazil (2010–2011 and 2018–2019): a cross-sectional study’>>

Com informações, Lidiane Nobrega, Agência Fiocruz de Notícias. 

@thelancetgroup @oficialfiocruz


Deixe seu Comentário