A ‘maior democracia do mundo', os Estados Unidos (EUA) não elegem seu presidente por meio do voto direto. E nem sempre o eleito é aquele que conquista a maioria dos votos. Algo difícil de ser entendido pelos brasileiros.
Como a votação é indireta, nenhum dos eleitores votará, nesta terça-feira (5/11), diretamente nos candidatos Kamala Harris, do Partido Democrata, ou em Donald Trump, do Partido Republicano.
Resumidamente, os cidadãos registrados para votar vão às urnas expressar sua preferência por um candidato presidencial e escrevem o nome do candidato de sua escolha nas cédulas. Embora esse processo dê a impressão de que os eleitores estejam votando diretamente para eleger o presidente, na verdade, eles estão indicando em quem os delegados do Colégio Eleitoral deverão votar em nome do seu estado.
Em outras palavras, o voto popular não decide diretamente quem será o presidente, mas orienta os votos dos delegados no Colégio Eleitoral. De fato, o presidente é escolhido pela somatória de votos do Colégio Eleitoral.
O colégio eleitoral dos EUA é formado por 538 delegados. O número de delegados por estado é proporcional ao tamanho da população, o que define também seus representantes no Legislativo.
“O número de delegados é revisto periodicamente, a cada duas eleições. A Califórnia, por exemplo, tinha, em 2016, 55 delegados. Em 2024, terá 54”, explicou Goulart Menezes, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB.
Segundo o professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) Virgílio Caixeta Arraes, o processo que faz a escolha indireta para a presidência norte-americana “foi assim definido como forma de evitar candidaturas demagógicas ou populistas com propostas sedutoras, porém inviáveis, ou desagregadoras”. Arraes disse à Agência Brasil que, na época, avaliava-se que os delegados teriam mais experiência ou amadurecimento político que o restante do eleitorado.
“O vencedor leva tudo”
Como cada estado tem um número de delegados, na maioria deles nos 48 estados [Maine e Nebraska são exceções a essa regra; nesses locais, os votos eleitorais são distribuídos com base no resultado em cada distrito], o candidato que receber a maioria dos votos leva todos os delegados, independentemente da quantidade de votos dos eleitores. Esse processo é conhecido como “winner takes all” (o vencedor leva tudo).
Para ficar mais claro, vamos a um exemplo fictício:
O estado A possui 10 delegados. Se o candidato republicano recebe 51% dos votos populares e o candidato democrata recebe 49%, o candidato republicano levará todos os 10 votos eleitorais, ganhando os 10 delegados. É dessa forma, que funciona a regra do vencedor leva tudo (“winner-takes-all”).
Dessa forma, o sistema oferece possibilidades reais de que seja eleito o candidato menos votado, caso tenha vencido a disputa nos estados mais populosos – portanto, com maior número de delegados.
Isso, inclusive, já ocorreu em alguns pleitos, como o de 2016, quando o republicano Trump foi eleito tendo quase 3 milhões de votos a menos que a democrata Hillary Clinton.
Situação similar ocorreu em 2000, favorecendo também o Partido Republicano, no embate que colocou, na Presidência dos EUA, George W. Bush – mesmo com seu adversário, o democrata Al Gore, tendo recebido quase 500 mil votos a mais.
As duas situações foram possíveis porque, apesar de a maioria dos votos ter ido para os democratas, quem obteve a maioria de votos entre os 538 delegados foram os republicanos.
Estados Pêndulo
Se, por um lado, existem estados em que o resultado da disputa costuma ser mais previsível, com eleitores historicamente apoiadores de um ou outro partido, por outro, há estados em que, também historicamente, não há maioria absoluta nas intenções de votos. São os chamados ‘swing states’ – em tradução livre, “estados pendulares”, aonde qualquer partido pode sair vitorioso.
Com isso, esses estados acabam sendo alvo preferencial das campanhas eleitorais, com grandes chances de definir o resultado do pleito. Sete estados são considerados pêndulos: North Carolina (16 delegados), Pennsylvania (19), Wisconsin (10), Georgia (16), Arizona (11), Michigan(15), e Nevada (6).
Segundo Goulart Menezes, quando as eleições são muito apertadas, os candidatos costumam focar também nos dois únicos estados onde o sistema eleitoral não segue a linha do “the winner takes it all” – Maine e Nebraska. “Mesmo sendo pequenos e com pouco peso, é possível que o voto decisivo venha dali, principalmente em caso de eleições acirradas”, destacou.
Voto antecipado
Outra peculiaridade do sistema eleitoral norte-americano é que alguns estados permitem o voto antecipado, mecanismo adotado sob a justificativa de evitar longas filas e tumulto no dia das eleições.
Pelo processo antecipado, o eleitor pode mandar seu voto pelos Correios, até mesmo do exterior, ou depositá-lo em locais predeterminados. Quase 70 milhões dos 160 milhões de eleitores já votaram dessa forma para o próximo pleito.
Goulart Menezes disse que o procedimento do voto a distância tem sido usado pelo atual candidato do Partido Republicano para disseminar desinformação e notícias falsas (fake news). “Trump tem dito que o voto pelos Correios de lá possibilita voto duplo de alguns eleitores, novamente lançando dúvidas improcedentes sobre o processo eleitoral, criando mais uma possibilidade de insurgência, caso perca as eleições.”
Segundo o professor, isso não procede porque, para enviar o voto por via postal, o eleitor, antes, tem de se registrar na internet. Para cada cédula recebida, há um código correspondente, o que inviabiliza, ao eleitor, votar mais de uma vez.
“Até mesmo essa situação de votos incendiados antes de serem contabilizados não gera problemas, porque, registrados, os eleitores que não tiveram seus votos chegando ao destino poderão fazê-lo posteriormente. Nenhum voto, portanto, é perdido”, esclareceu Menezes.
As eleições americanas acontecem sempre as terças-feiras depois da primeira segunda-feira de novembro desde 1845 (não é feriado e o voto não é obrigatório). Essa época foi escolhida porque a maioria das pessoas que votavam eram trabalhadores rurais e novembro era um mês em que não havia muitas movimentações na região. Além disso, existe um motivo para ser na terça: domingo era o dia da Igreja, e quarta era o dia da feira, para comprar e vender produtos. Como o transporte naquela época era demorado, segunda e quinta foram descartados, logo terça foi o dia escolhido.
Com informações, Julia Severo, avenue.us; Pedro Peduzzi; Agência Brasil.
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