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Crise climática

Período de seca mais intenso dos últimos 40 anos comprometeu produção da castanha-da-amazônia

Cientistas recomendam medidas de adaptação para a castanheira e a falta do produto já elevou o preço para R$ 220,00 a lata de 20 litros

15 ABR 2025 - 15H30 • Por Wilson Lopes
Apesar do atual declínio, pesquisadores da Embrapa preveem uma possível superprodução na safra 2025/2026, um fenômeno já observado após a crise de 2017 - FreePik

A Amazônia enfrentou um dos períodos de seca mais intensos dos últimos 40 anos, com destaque para o prolongado fenômeno El Niño que ocorreu entre agosto de 2023 e maio de 2024. A combinação de baixa nebulosidade, radiação solar intensa e queimadas prolongadas elevou as temperaturas e reduziu significativamente a umidade do solo. Como consequência, a floração e a formação dos frutos da castanheira foram comprometidas, resultando na quebra da produção de castanha-da-amazônia, também conhecida como castanha-do-brasil e castanha-do-pará, na safra 2024/2025

Conforme Lucieta Guerreiro Martorano, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental (PA), esse cenário lembra a crise de 2017, quando o El Niño de 2015/2016 elevou a temperaturas 2°C acima da média e gerou um verão amazônico excepcionalmente seco. “A falta de chuvas naquele período prejudicou a floração e formação dos frutos, além de reduzir a atividade de polinizadores como as abelhas, resultando em uma queda expressiva na produção de castanhas no ano seguinte”, lembra a cientista. 

“Foi a primeira vez na história em que se registrou redução significativa da produção de castanha em toda a bacia Amazônica”, frisa o pesquisador da Embrapa Raimundo Cosme de Oliveira Junior, que atua na mesma unidade de pesquisa de Martorano, em Belém do Pará.

Perspectivas para recuperação

Apesar do atual declínio, pesquisadores da Embrapa preveem uma possível superprodução na safra 2025/2026, um fenômeno já observado após a crise de 2017. “Esse aumento na produção ocorre porque as castanheiras tendem a compensar os períodos de baixa produtividade com maior frutificação nos anos seguintes, aliado aos efeitos climáticos do fenômeno La Niña”, esclarece Patrícia da Costa, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente.

No entanto, ela alerta que essa oscilação pode causar forte instabilidade nos preços do mercado. Costa conta que, em 2017, a lata de castanha (20 litros) atingiu R$ 180,00 devido à alta demanda e à escassez do produto. No ano seguinte, a combinação da superprodução com a diminuição da demanda industrial, devido aos altos preços, resultou em um grande excedente, provocou uma queda acentuada nos preços, com a lata chegando a valer apenas R$ 25,00 ou menos.

Esse fenômeno, conhecido como “efeito ressaca”, gera perdas financeiras significativas, impactando negativamente os extrativistas e toda a cadeia produtiva. À época, a recuperação dos preços para um patamar mais estável, cerca de R$ 60,00 a lata, levou cinco anos.

Para evitar ciclos de prejuízos como esse, é essencial a implementação de medidas de regulação e suporte ao setor. Atualmente, em março de 2025, a castanha está escassa novamente, e os preços já atingem aproximadamente R$ 220,00 a lata.

Quantidade de castanha-da-amazônia produzida (toneladas/2023)

Com a previsão de aumento da produção na próxima safra (2025/2026), a adoção de medidas que garantam a qualidade do produto é importante, especialmente quando os extrativistas precisam armazenar a amêndoa (Freepik)

Soluções e medidas necessárias

O manejo e a renovação dos castanhais apresentam-se como medidas urgentes, uma vez que as castanheiras mais velhas estão morrendo, enquanto as mais jovens apresentam maior resiliência frente aos eventos climáticos extremos.

Pesquisas têm demonstrado que algumas medidas adotadas pelas comunidades extrativistas podem ajudar no aumento da produção de castanha. O corte de cipós, por exemplo, pode aumentar em até 30% a produção de castanheiras que estejam infestadas. Além disso, essa prática melhora as condições fisiológicas das árvores, contribuindo para garantir sua resiliência diante de eventos climáticos extremos. “Os extrativistas mais experientes já adotavam essa técnica, e conseguimos comprovar a partir de um estudo realizado ao longo de dez anos os seus benefícios tanto para a estrutura das árvores quanto para o aumento da produção”, afirma Lúcia Wadt, pesquisadora da Embrapa Rondônia.

O manejo dos castanhais, aliado às atividades agroextrativistas praticadas pelos castanheiros, pode favorecer a regeneração natural da espécie, que tem dificuldade de se estabelecer em áreas excessivamente sombreadas dentro da floresta. Uma das práticas positivas é a técnica de produção de mudas em miniestufas. O método, tema de um curso de educação à distância, é de baixo custo e pode ser aplicado em pequena escala. “A técnica permite que os produtores aproveitem melhor o potencial de suas áreas de plantio, enriquecendo florestas degradadas ou em Sistemas Agroflorestais”, frisa Wadt. 

Outras pesquisas realizadas na Resex Cajari (AP) confirmam o sucesso do modelo de manejo chamado de “Castanha na Roça”, que concilia a agricultura com produção florestal. Os experimentos mostraram maior densidade de regenerantes de castanheiras nas áreas de capoeiras e roças da agricultura itinerante do que na floresta madura.

“O Castanha na Roça é um tipo de consórcio agroflorestal que faz parte da realidade local e é desenvolvida em duas vertentes: na capoeira abandonada e na roça. Esse sistema aproveita a regeneração natural das castanheiras em áreas de agricultura itinerante fora da floresta, promovendo a formação de novos castanhais. Essa estratégia, combinada ao plantio de árvores jovens mais resilientes às mudanças climáticas, pode garantir tanto a perpetuação da espécie quanto a produção sustentável de castanhas a longo prazo”, informa o pesquisador Marcelino Carneiro-Guedes, da Embrapa Amapá.

Com a previsão de aumento da produção na próxima safra (2025/2026), a adoção de medidas que garantam a qualidade do produto é importante, especialmente quando os extrativistas precisam armazenar a amêndoa, que assim como a etapa de secagem são essenciais para atender aos padrões exigidos pelo mercado. Um dos maiores desafios é evitar a contaminação por aflatoxinas, toxinas produzidas por fungos que se desenvolvem em condições inadequadas de armazenamento e são potencialmente cancerígenas quando ingeridas.

Medidas como secagem rápida e uniforme das amêndoas após a retirada do ouriço, o armazenamento em local seco e arejado, protegido da chuva e o transporte adequado ajudam a evitar a umidade no produto. “As boas práticas de coleta não apenas preservam a qualidade do produto, mas também fortalecem a comercialização da castanha, garantindo segurança alimentar e valor agregado para os produtores”, afirma Cleisa Brasil, pesquisadora da Embrapa Acre. 

Outra ação importante é feita pela Embrapa que, por meio de seu Programa de Melhoramento Genético da Castanheira, tem selecionado matrizes com maior resistência às variações climáticas e maior potencial produtivo.

Consequências para a economia e sustentabilidade

A escassez de castanhas pode impactar a renda de comunidades extrativistas, que dependem deste produto. Elziane Ribeiro de Souza, produtora da Reserva Extrativista (Resex) Cajari, no Amapá, destaca que a seca afetou drasticamente a produção de castanha em sua região. “Perdemos quase 100% da produção. Um dos castanhais que costumava produzir 180 barricas, este ano não chegou a 10”.

Em Rondolândia, Mato Grosso, Paulo César Nunes, da Cooperativa do Povo Indígena Zoro (Cooperapiz), explica que a quebra na produção comprometeu o fornecimento para a indústria. “Temos dificuldade para cumprir contratos e isso impacta diretamente a renda das famílias extrativistas e o número de vagas de emprego na região”, afirma. Para enfrentar a crise, a cooperativa recebeu apoio da Cooperação Internacional, através do Programa REM MT, que criou um Fundo Rotativo para facilitar a aquisição de castanha. No entanto, Nunes reforça que é essencial fortalecer as indústrias de base comunitária. “Sem elas, o extrativismo pode entrar em colapso, pois os preços pagos aos coletores já são historicamente baixos. Durante uma crise, isso pode levar ao abandono da atividade”, adverte.

Ítalo Tonetto, Diretor da Castanhas Ouro Verde, em Jaru (RO), destaca a necessidade de previsibilidade e comunicação transparente com os clientes. “Avisamos desde o início sobre os riscos, mas é um tema delicado, pois nem todos acreditam na gravidade da situação”, diz. Tonetto reforça que, apesar da quebra na safra atual, espera-se normalização na próxima safra.

Com informações, Cristina Tordin, Embrapa Meio Ambiente.
@ibgeoficial @embrapa

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