Logo Agência Cidades

#COP29

'COP do financiamento' busca US$ 1 trilhão ao ano para financiar segurança climática

Financiamento climático precisa ser transferido dos países mais ricos aos menos ricos para ocorrer uma redução das mudanças climáticas

11 NOV 2024 - 11H07 • Por Wilson Lopes
As Conferências da ONU sobre Mudanças Climáticas (ou COPs) acontecem todos os anos e são o único fórum multilateral de tomada de decisões sobre mudanças climáticas do mundo que reúne quase todos os países do planeta - Kamran Guliyev/ONU

A 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29) prevê uma rodada de negociações globais em busca de manter o aumento da temperatura do planeta abaixo de 1,5 grau Celsius (ºC), conforme o Acordo de Paris.

A COP29 prossegue até o dia 22 de novembro, em Baku, no Azerbaijão. Este ano, o encontro, que já é considerado a ‘COP do financiamento’, tem como um dos principais objetivos estabelecer uma Nova Meta Quantificada Global de Finanças (NCQG, na sigla em inglês). Na prática, significa definir um novo valor e de onde virão os recursos em substituição ao último acordo, que previa US$ 100 bilhões anuais entre 2020 e 2025.

Na análise do presidente da instituição de pesquisa World Resources Institute (WRI), Aniruddha Dasgupta, o que já está claro é que há uma demanda por US$ 1 trilhão ao ano, que precisa ser transferida dos países mais ricos aos menos ricos, para que ocorra uma transição global em busca da segurança climática. A ideia é que metade, US$ 500 bilhões, tenha financiamento público internacional e a outra metade, financiamento privado.

“Os países em desenvolvimento não conseguem atender à meta de transição se não receberem financiamento externo. Isso é crítico. E, se esses países não fizerem essa transição, há um impacto direto para todos no mundo, não somente para esses países”, explica.

Segundo Dasgupta, embora a cifra pareça alta, representa menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Ele acrescenta que o repasse aos países menos desenvolvidos não é caridade e sim algo que precisa ser feito pela humanidade e pelo planeta. “Na verdade, os países do Sul Global [menos desenvolvidos] gastaram US$ 1,4 trilhão em mudanças climáticas de recursos próprios.”

Os debates acerca desse valor apontam que a demanda pelo recurso ocorrerá por camadas, e o sucesso das negociações em Baku será apenas o início de um ciclo. Segundo a diretora global de Programa de Clima Economia e Finanças da WRI, Melanie Robinson, existe uma lacuna entre a necessidade e a realidade, o que leva à condução de uma estratégia que prevê o desenho do financiamento climático com as seguintes etapas: US$ 200 bilhões até 2030 e US$ 400 bilhões até 2035.

Para ser efetivo, esse desenho precisaria ainda do comprometimento sólido dos países com medidas de adaptação e que parte desse financiamento seja "concessional", com taxas e condições atrativas, explica a diretora. “Maior vontade política e disposição para ação serão necessárias para continuar expandindo esse ciclo, se quisermos encontrar as metas de segurança climática que estabelecemos no Acordo de Paris.”

A COP29 prevê negociações globais em busca de manter o aumento da temperatura do planeta abaixo de 1,5 grau Celsius (Foto: Habib Samadov) 

Ambições maiores

Nas análises dos especialistas, o avanço nas negociações financeiras deverá refletir na entrega das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), pelos países. O prazo para a terceira atualização das ambições dos países, em relação à redução das emissões de gases do efeito estufa, encerra-se em fevereiro de 2025, nove meses antes da COP30, em Belém, no Brasil.

“As ambições e o financiamento são interligados. Não dá para ter ambições maiores sem financiamento e, se você não tem financiamento, não vai se comprometer com ambições maiores”, afirma Dasgupta.

Segundo o diretor de Iniciativa Climática Internacional da WRI, David Waskow, até o momento, Brasil, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão prometeram antecipar suas metas de emissões para 2035, com entrega prevista ainda na COP29. Os Estados Unidos pretendem concluir até o fim do ano, antes da troca de governo. “A cúpula em Baku é um momento crítico para estabelecer as expectativas de qual vai ser a próxima geração de NDCs, quais devem ser as aspirações”, explica.

Para o especialista, isso dará indícios da trajetória de cada país até as emissões chamadas de net zero - em que há neutralidade líquida com equilíbrio entre a remoção e a emissão de gases do efeito estufa. De acordo com Waskow, mais de 100 países estão comprometidos com essa meta a ser alcançada seja em 2050 ou em 2060.

Essa trajetória dependerá das metas setoriais desenhadas pelos países, como as políticas nacionais de transição dos combustíveis fósseis para essa década e os comprometimentos com os objetivos de triplicar energia renovável nos países, dobrar a eficiência energética global, fortalecer as ações contra as emissões de transportes e qualificar a gestão florestal.

Até agora, a regra é países desenvolvidos pagam aos países em desenvolvimento (Foto: Habib Samadov)

Quem pagará pelo financiamento?

Com o retorno de Donald Trump, que já abandonou o Acordo de Paris em 2017 na sua primeira gestão, à Presidência dos Estados Unidos, o sucesso da COP em Baku ganha mais uma incerteza em relação a um dos principais impasses nas negociações. Quem pagará pelo financiamento climático?

Até agora, a regra é países desenvolvidos pagam aos países em desenvolvimento. Mas a ideia de ampliação do grupo de pagadores tem ganhado força entre as partes mais ricas do acordo.

De acordo com Melanie Robinson, esse grupo defende a necessidade de incluir os países que agora têm mais riqueza e mais capacidade de contribuir para que a conta feche. Entre os países cotados para reforçar o orçamento estão a China, Singapura, Coreia e os países do Golfo - Barém, Kuwait, Omã, Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

A capacidade de esses países contribuírem é confirmada pelos montantes de investimentos feitos nas iniciativas climáticas de forma voluntária. Segundo a especialista, a China, por exemplo, já fornece US$ 4,5 bilhões ao ano aos países em desenvolvimento para as mudanças climáticas.

Um possível caminho apontado pelos especialistas é garantir que esses aportes continuem ocorrendo, mesmo que não haja mudança nas classificações de desenvolvimento. Também seriam necessárias mais transparência e responsabilização das partes, com a definição dos fluxos financeiros.

Na visão de Melanie, alguns caminhos possíveis seriam o fortalecimento dos bancos multilaterais de desenvolvimento (MDB, na sigla em inglês), a construção de impostos internacionais e a realocação de subsídios de combustíveis fósseis para financiamentos internacionais.

Também seria necessário tornar mais atrativo o investimento de capital privado em países em desenvolvimento. “Para que isso seja efetivo precisariam [ser feitas] reformas das políticas públicas nos países em desenvolvimento”, conclui.

Ausências em Baku

De acordo com David Waskow, uma nova saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris ainda não se refletiria nos resultados desta COP29, já que o processo de retirada de apoio de uma parte junto às Nações Unidas leva um ano. Ainda assim, restariam os compromissos dos Estados Unidos em relação a própria convenção sobre a mudança climática (UNFCCC, na sigla em inglês).

Antes mesmo do resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos, o atual chefe de Estado norte-americano, Joe Biden, e sua vice, Kamala Harris, já haviam anunciado a ausência em Baku. De acordo com comunicado oficial do Departamento de Estado, uma delegação liderada pelo conselheiro para política climática internacional, John Podesta, representará o país nas negociações.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também estará ausente, por recomendações médicas após um acidente doméstico. Em seu lugar, o vice-presidente Geraldo Alckmin vai liderar a delegação brasileira, composta ainda pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e pelo embaixador do Ministério das Relações Exteriores, André Corrêa do Lago.

Entre os outros líderes que já confirmaram a ausência estão o presidente da China, Xi Jinping, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e a presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen.

A COP é onde o mundo se reúne para concordar com as ações para enfrentar a crise climática (Foto: Kamran Guliyev)

Sobre a COP 29

A COP 29 é a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas que acontecerá em Baku, Azerbaijão, de 11 a 22 de novembro de 2024. 

As Conferências da ONU sobre Mudanças Climáticas (ou COPs) acontecem todos os anos e são o único fórum multilateral de tomada de decisões sobre mudanças climáticas do mundo que reúne quase todos os países do planeta.  

Simplificando, a COP é onde o mundo se reúne para concordar com as ações para enfrentar a crise climática, como limitar o aumento da temperatura global a 1,5 grau Celsius, ajudar comunidades vulneráveis a se adaptarem aos efeitos das mudanças climáticas e atingir emissões líquidas zero até 2050. 

A COP 29 reunirá líderes mundiais e negociadores dos estados-membros (ou Partes) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) para promover o progresso global, com líderes empresariais, jovens, cientistas do clima, povos indígenas e sociedade civil compartilhando insights e melhores práticas para fortalecer a ação climática global, coletiva e inclusiva. 

Entre as principais prioridades da COP 29 estão garantir uma nova meta para o financiamento climático, garantir que todos os países tenham os meios para tomar medidas climáticas muito mais fortes, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e construir comunidades resilientes. 

Também estará em foco a próxima rodada de planos climáticos nacionais, ou NDCs, atualmente sendo desenvolvidos pelos países antes do prazo do ano que vem, e garantindo que essas estratégias e metas mais ousadas, totalmente implementáveis e passíveis de investimento sejam abrangentes para toda a economia, se concentrem na transição para longe dos combustíveis fósseis e mantenham o mundo no caminho para 1,5 grau de aquecimento. 

Observe que, oficialmente, COP 29 significa a 29ª reunião da Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), um tratado internacional histórico acordado em 1992 e tratado-mãe do Acordo de Paris de 2015.

Conheça termos e siglas usados nas negociações climáticas

COP (Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas): Reunião para teve início em Berlim, na Alemanha, em 1995, um ano após começar a vigorar a Convenção de Clima. Tem como principais objetivos debater soluções para diminuir as emissões de gases do efeito estufa, conter o aquecimento global e implementar a convenção e seus instrumentos jurídicos.

Acordo de Paris: acordo internacional lançado na COP21, em 2015 e ratificado pelo Congresso Nacional no ano seguinte, passando a vigorar em 4 de novembro de 2016. O documento reúne ações globais em resposta à ameaça da mudança climática, como a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Livro de Regras de Paris: documento elaborado na COP24 para orientar as partes sobre como concretizar o Acordo de Paris e limitar o aquecimento global abaixo de 2 graus Celsius e atingir a meta de manter em 1,5 ºC.

Artigo 6: é o artigo do Acordo de Paris que trata da viabilização de mercado de carbono global, em substituição ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto.

CMA (Conference of the Parties serving as the meeting of the Parties to the Paris Agreement, Conferência das Partes que secretariam as Partes do Acordo de Paris): encontro das partes que subsidiam e negociam os elementos do Acordo de Paris para as COPs.

CMP (Conference of the Parties serving as the meeting of the Parties to the Kyoto Protocol, Conferência das Partes que secretariam as Partes do Protocolo de Quioto): encontro das partes que subsidiam e negociam os elementos do Protocolo de Quioto para as COPs.

GST (Global Stocktake, Balanço Global de Carbono): previsto no Artigo 14 do Acordo de Paris, é um mecanismo de transparência que permite avaliar o progresso nas metas de longo prazo. O primeiro foi concluído na COP28.

INC (Intergovernmental Negotiating Committee, Comitê Intergovernamental de Negociação): grupo aberto a todos os Estados-Membros das Nações Unidas e agências especializadas. Foi criado em 1990, pela Assembleia Geral da ONU, com a participação inicial de 150 países, responsável pelo texto da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) finalizado em 1992.

NDC (Nationally Determined Contributions, Contribuições Nacionalmente Determinadas): são as metas e os compromissos assumidos pelas partes para a redução de emissões de gases do efeito estufa. Até fevereiro de 2025 os países-membros devem apresentar a terceira versão (NDCs 3.0) de suas metas atualizadas em relação ao Acordo Paris. Na última NDC apresentada, o governo brasileiro estabeleceu a meta de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de redução de 43% em 2030, em relação aos níveis de emissões estimados para 2005.

NCQG (New Collective Quantified Goal on Climate Finance, Nova Meta Quantificada Global de Finanças): visa substituir o acordo de financiamento climático de US$ 100 bilhões anuais entre 2020-2025, ultrapassado, insuficiente e que os países nunca entregaram.

BTR (Biennial Transparency Reports, Relatório Bienal de Transparência): documento com previsão da primeira submissão nesta COP29.

SB60 (Sessão dos Órgãos Subsidiários): Também chamada de Conferência sobre Mudança Climática de Bonn (Bonn Climate Change Conference), é um encontro anual que ocorre na Alemanha de preparação para a Conferência das Partes. São discutidos aspectos específicos das ações climáticas, partilhados conhecimentos e iniciadas as negociações. A antecipação garante a redefinição das estratégias e progressos mais significativos antes da conferência.

Troika: pacto de cooperação internacional firmado pelas três presidências das COPs 28, 29 e 30, Emirados Árabes Unidos, Azerbaijão e Brasil, respectivamente, pelo cumprimento da Missão 1,5 ºC, com reuniões avaliativas.

UNFCCC (Convenção de Clima ou Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em inglês United Nations Framework Convention on Climate Changev): documento lançado para assinaturas na Eco-92 no Rio de Janeiro, e que passou a vigorar em 1994, que traz os princípios das responsabilidades “comuns mas diferenciadas” (países que emitiram mais devem reduzir mais) sobre a redução das emissões de gases do efeito estufa.

Protocolo de Quioto: tratado para reduzir as emissões de gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento global. Foi assinado em 1997 e entrou em vigor em 2005.

Com informações, Fabíola Sinimbú, Agência Brasil.

Acesse a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Baku>>