Seca extrema devasta 232 municípios em setembro
Brasil enfrenta a maior seca da história, desde quando se começou a medir a falta de chuvas em 1950
20 SET 2024 - 12H47 • Por Wilson LopesO Índice Integrado de Seca (IIS3), medido pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), apontava 200 municípios brasileiros na condição de seca extrema no mês de agosto, nos estados de São Paulo (82), Minas Gerais (52), Goiás (12), Mato Grosso (24), Rondônia (9), Mato Grosso do Sul (7), Acre (6), Amazonas (4), Rio de Janeiro (2) e um município no Pará, Paraná e Tocantins.
Embora o número seja menor do que o aferido pelo Cemaden no mês de julho (371), a previsão da instituição é de que, em setembro, a situação volte a se agravar, com 232 municípios convivendo com a situação de seca extrema.
Em números absolutos, os estados com o maior número de municípios no diagnóstico serão Mato Grosso (73) e Goiás (43), justamente os mais afetados pelo déficit hídrico, com mais de 100 dias consecutivos sem precipitação. Amazonas (8), Mato Grosso do Sul (11), Pará (4) e Rondônia (16) também elevarão o número de municípios no ranking da seca extrema em setembro. No Acre (4), Minas Gerais (39) e São Paulo (34) haverá reduções de cidades na lista. Já Rio de Janeiro, Paraná e Tocantins deixarão de ter cidades em condição de seca extrema no mês de setembro.
O relatório do Cemaden explica que, embora a seca tenha se intensificado entre os meses de maio a agosto de 2024, o monitoramento aponta que a seca, particularmente na faixa que se estende dos estados do Acre e Amazonas até o estado de São Paulo e o Triângulo Mineiro, começou ainda no segundo semestre de 2023. “Como resultado desta situação, muitos municípios já enfrentam condições de seca por 12 meses consecutivos, contribuindo para a redução dos níveis e vazões dos rios e do maior risco para a propagação de fogo”.
Ainda, conforme o Cemaden, a previsão meteorológica indica um provável atraso no início da próxima estação chuvosa, o que resultará na prolongação do período de estiagem nos rios de todas as regiões do país, com exceção da região Sul. Esse provável atraso é devido ao comportamento do Oceano Atlântico, que está mais
quente que o normal na região da América Central. Como resultado, a situação de seca deve persistir ou até se agravar na maioria das bacias hidrográficas do país.
Escassez de água generalizada
O Monitor de Secas, ação coordenada pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), acompanha regularmente a situação da seca no Brasil e consolida os relatórios por meio do ‘Mapa do Monitor de Seca’.
O Monitor disponibiliza a ‘Tabela de Classificação de Severidade da Seca’, que mostra, com uma escala de cores, o grau de severidade da seca. As secas fraca (S0) e moderada (S1) possuem, estatisticamente, um tempo de retorno menor, sendo, portanto, mais frequentes no mapa. Por outro lado, as demais categorias de seca (S2, S3 e S4) enquadram-se como eventos mais “raros”, com tempos de retorno superiores a 10 anos.
A ‘Seca Extrema’, categoria S3 na tabela, situação que se encontram os 232 municípios apontados pelo Cemaden, em setembro, ocorre uma vez a cada 20/50 anos o provoca grandes perdas de culturas/pastagem; escassez de água generalizada ou restrições. É a penúltima antes do colapso da categoria S4 (Seca Excepcional), que ocorre a cada 50/100 anos.
Nunca antes na história desse país...
O Cemaden também comparou dados da série histórica referente ao período de 1950 a 2024. O intuito era verificar se a seca, iniciada no segundo semestre de 2023 e ainda persistente, se configurava como a mais intensa em toda a sua extensão.
Para isso, foi utilizado o Índice de Precipitação Padronizado de Evapotranspiração (SPEI), na sigla em inglês) que é uma ferramenta usada para medir e monitorar a seca. A série temporal do SPEI demonstra que, a partir da década de 90, as secas no Brasil se tornaram mais frequentes e intensas (valores mais negativos de SPEI).
Conforme os dados, o país enfrentou três grandes secas (picos negativos de SPEI): a primeira entre 1997 e 1998, a segunda entre 2015 e 2016, e a última em 2023 e 2024.
Vale ressaltar que a seca de 2015/2016 superou a de 1997/1998, mas a atual (2023-2024), mesmo com dados parciais, já apresenta valores de SPEI mais negativos, indicando ser a mais intensa e extensa da série histórica.
Nos últimos treze anos, aponta o Cemaden, observa-se que as secas geralmente apresentavam um caráter regional, concentrando-se em áreas específicas do país. No entanto, diferentemente dos anos anteriores, a seca iniciada em 2023, e persiste até o momento, demonstra uma característica muito mais abrangente e intensa em comparação às anteriores.
Combinação de fatores
O relatório do Cemaden conclui afirmando que as causas da seca resultam de uma combinação de fatores que abrangem diferentes escalas espaciais e temporais. “Em primeiro lugar, a estação chuvosa passada foi deficitária em toda a porção centro-norte do país, em decorrência da atuação do fenômeno ‘El Niño’ que normalmente causa diminuição das precipitações nesta região. Em consequência, a fraca estação chuvosa passada não conseguiu repor adequadamente a umidade do solo e da vegetação, nem recarregar os aquíferos, mantendo os níveis dos rios abaixo dos níveis esperados. Em segundo lugar, a atual estação seca começou de forma antecipada, já no mês de abril, com o qual o solo e a vegetação começaram a perder umidade de forma prematura e sistemática, e os níveis dos rios foram diminuindo gradativamente, atingindo níveis inferiores aos observados no mesmo período de 2023. Ainda, a estação seca atual foi mais seca que o normal, incluindo vastas regiões que não receberam nenhuma precipitação desde maio. Essa situação deixou o solo e a vegetação extremamente secos, criando um ambiente favorável para a propagação de grandes incêndios.”
Por fim, o Cemaden adverte que se deve destacar a influência de dois fenômenos que atuam no longo prazo: as mudanças climáticas que estão gerando um aquecimento progressivo da atmosfera e que tendem a produzir sequências mais longas de dias sem chuva; e as mudanças do uso do solo que, ao substituir áreas de floresta por áreas dedicadas à agricultura e/ou a pastagens, degradam uma fonte
importante de umidade, tanto do ar quanto do solo, o que deriva na redução da umidade ambiente e, consequentemente, das precipitações.
A canção ‘Sobradinho’, composta por Sá e Guarabyra em 1977, cantarolava o drama da população ribeirinha que foi obrigada a deixar suas casas para construção da barragem de Sobradinho, no interior da Bahia. “O homem chega, já desfaz a natureza; Tira a gente, põe represa; Diz que tudo vai mudar.” E passo a passo se vai cumprindo a profecia do beato Antônio Conselheiro, de que “o sertão vai virar mar”. O medo é de que algum dia o mar também vire sertão...
Acesse a Nota Técnica do Cemaden sobre a criticidade da seca no Brasil>>
Confira a relação dos municípios que estão em situação de seca extrema>>
Acesse a Tabela de Classificação de Severidade da Seca>>
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