'Bet', 'bet', 'bet' na porta do céu...
Secretaria de Prêmios e Apostas do governo federal prevê a regulamentação de 220 sites de apostas em 2025
27 AGO 2024 - 13H56 • Por Wilson LopesA tática é menosprezível: se não pode vencer o inimigo, junte-se a ele. Mas foi a solução possível, diante do monstro que se criou, quando o então presidente Michel Temer, no final de 2018, sancionou a Lei 13.756, aprovada pelo Congresso Nacional, criando uma nova modalidade lotérica denominada "Aposta de Quota Fixa - AQF", que se baseia em eventos esportivos reais ou virtuais de jogos on-line.
Desde então, as apostas esportivas em plataformas on-line dispararam no Brasil. Daquela época até 2023, os gastos com apostas aumentaram em 419%. “Em 2018, o jogo representava 0,27% do orçamento familiar nas classes D e E; hoje, esse número saltou para 1,98%, quase quatro vezes mais do que há cinco anos. Enquanto isso, os gastos com lazer e cultura caíram de 1,7% para 1,5% do orçamento, e os gastos com alimentação permaneceram estáveis”, disse o economista e advogado Gerson Charchat, sócio e líder da Strategy& do Brasil, à Agência Brasil.
No entanto, a Lei 13.756 condicionou a regulamentação da atividade à posterior normatização pelo Ministério da Fazenda, o que deveria ter ocorrido até 2020. Com três anos de atraso, foi sancionada a Lei 14.790/2023, que alterou as legislações anteriores, revogou decretos e definiu os papéis do regime de exploração, do agente operador de apostas, dos procedimentos de autorização, das transações de pagamento e da fiscalização.
113 pedidos de registros
Na prática, a Lei 14.790/2023 regulamentou a atividade das “bets” no Brasil. A partir de 1º de janeiro de 2025, o governo federal deverá aplicar “sanções exemplares, firmes e fortes” contra plataformas de apostas esportivas e os jogos on-line que não estiverem autorizados.
Só obterão autorização empresas que tenham registrado em junta comercial específico a quem se dedica à “exploração de apostas de quota fixa” na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) de número 9200-3/99.
Além do pagamento pela autorização, as “bets” arrecadarão tributos para a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS-Cofins, Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e destinação social.
Atualmente, as “bets” não arrecadam nenhum real em tributos pelas apostas no Brasil. O Poder Público não sabe quantas empresas estão explorando as “bets” e quanto faturam no país. Também desconhece a destinação do ganho auferido, o número de pessoas empregadas no setor e a quantidade de apostadores.
A estimativa da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) é que a atividade regulamentada terá carga tributária entre 32% e 36%, e possa gerar 100 mil empregos diretos e indiretos nos próximos cinco anos.
A Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda já iniciou o exame dos 113 pedidos de registros formalizados no Sistema de Gestão de Apostas (Sigap) por empresas que querem atuar no mercado brasileiro. A avaliação da SPA é por ordem cronológica, conforme a chegada dos pedidos.
Somente empresas autorizadas pelo Ministério da Fazenda e pelo Ministério do Esporte poderão adotar o domínio “bet.br” em suas marcas na internet. Cada pedido autorizado faculta o direito de as empresas explorarem até três marcas de bet. A previsão publicada pela SPA é de que “cerca de 220 sites poderão oferecer apostas de forma autorizada e regulada.”
Se todos os 113 pedidos receberem outorga, a União arrecadará até o final do ano R$ 3,390 bilhões. Segundo a ANJL, o mercado regularizado deverá movimentar R$ 25 bilhões em 12 meses.
R$ 30 milhões de outorga
A autorização tem três fases. Inicialmente, a SPA faz análise prévia documental das solicitações e, eventualmente, diligências para completar informações. A secretaria observa a habilitação jurídica e idoneidade da empresa, qualificação técnica e econômico-financeira, além regularidade no pagamento de tributos e de ausência de problemas trabalhistas.
Após a SPA, os pedidos seguem para análise e parecer do Ministério do Esporte, que estabelece quais modalidades esportivas e quais entidades de prática esportiva podem ser objeto de apostas nas plataformas.
As solicitações aprovadas no Esporte são reencaminhadas para a Fazenda, que determinará o pagamento de R$ 30 milhões de outorga para obter autorização final. Em caso de divergências entre os dois ministérios, o pedido da empresa deverá ser analisado pela Advocacia-Geral da União (AGU).
A Secretaria de Prêmios e Apostas continua recebendo pedidos de outorga exploração do mercado brasileiro de apostas de quota fixa. Novos pedidos serão avaliados em 180 dias e terão resultado somente em 2025. Nesta segunda-feira (26), chegou a primeira solicitação após o prazo de 20 de agosto.
Possibilidades de ganho
Recentemente, o governo federal publicou a Portaria SPA/MF 1.207 com as regras para apostas e jogos on-line e jogos que fazem parte da modalidade de cota fixa, que são as “bets”, e jogos como o ‘Tigrinho’ e o ‘Aviãozinho’.
Pelas regras, o jogo on-line deve ter caráter aleatório, com resultado imprevisto de símbolos, figuras ou objetos. E, na cota fixa, o jogo precisa deixar bem claro quanto quem aposta vai ganhar. E o apostador deverá ter acesso a informações como o fator de multiplicação, ou seja, quanto vai ganhar caso seja premiado - possibilidades de ganho e como é possível ganhar, ou seja, a ordem dos símbolos.
Os jogos em estabelecimentos físicos por meio de equipamentos, no entanto, continuam proibidos. Ficou definido, ainda, que cada jogo deverá pagar para aqueles que apostarem pelo menos 85% em prêmios daquilo que for arrecadado com apostas. E ficam proibidas promessas de ganhos futuros, saldo negativo para apostador ou que ele seja forçado a escolher determinado jogo.
A portaria também esclarece o que não é jogo on-line, aqueles que não poderão ser oferecidos. Entre eles, os jogos ‘multiapostador’, os ‘fantasy sports’ e os chamados ‘peer-to-peer’, em que o agente não se envolve, apenas oferece o ambiente para que os apostadores joguem.
Paraíso fiscal
A reportagem da Agência Brasil conseguiu identificar a origem de 65 registros das empresas que querem atuar no mercado brasileiro. Vinte e nove pedidos são de companhias com registros em Curaçao, 13 são do próprio Brasil, seis são de Malta e cinco de domínios britânicos, além de 12 de países diversos como Armênia, Austrália, Emirados Árabes, Estados Unidos, Filipinas, Grécia e Hungria.
O local de registro não significa que o capital tenha a mesma origem. Por exemplo, é possível que uma empresa de capital suíço tenha a sua ‘bet’ licenciada em Curaçao, ilha no Caribe pertencente aos Países Baixos (Holanda). isso também pode acontecer com uma empresa de capital brasileiro que tenha licença em paraíso fiscal.
Sessenta e seis por cento dos pedidos são de empresas abertas no Brasil após a Lei 14.790/2023. Um quarto dos pedidos é de empresas que passaram a existir após a Lei 13.756/2018, que legalizou o negócio, mas sem impor nenhum regramento. Quase 8% dos pedidos são de empresas que já existiam anteriormente, mas dedicando-se a outras atividades.
Aposte, aposte, aposte
Aposte, aposte, aposte, ou, em inglês, ‘bet’, ‘bet’, ‘bet’. O imperativo de risco chega a telinhas e telonas. A outdoors e camisetas. Pelo rádio, por entre notícias e em qualquer brecha nas páginas de internet. Antes, durante e depois de eventos esportivos. Os anúncios, fantasiados de elementos lúdicos, vêm de todos os lados, como convites para se divertir e ganhar dinheiro.
São os sites de apostas, também conhecidas como “bets”. Neles, as pessoas apostam dinheiro em resultados de partidas de vários esportes. Futebol, basquete, boxe, artes marciais mistas. E não só nos resultados. É possível apostar em detalhes de cada jogo, como quem fará os gols em uma partida ou se determinado atleta receberá cartão amarelo.
Estudo de macroeconomia do Banco Itaú calcula que o gasto líquido com apostas no Brasil é de R$ 24 bilhões.
Pesquisa de opinião do Instituto Locomotiva feita no início deste mês apontou que um terço dos apostadores está endividado e inadimplente. Segundo o levantamento, três quartos dos apostadores são das classes CDE – sendo 46% jovens entre 19 e 29 anos. Mais recentemente, o Instituto Alana denunciou perfis de influenciadores mirins nas redes sociais que promovem sites de apostas entre crianças.
Os impactos e efeitos sobre a economia já haviam sido apontados pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). Segundo pesquisa de opinião feita para a entidade em maio, entre os que apostam, 64% reconhecem que utilizam parte da renda principal para tentar a sorte; 63% afirmam que tiveram parte da sua renda comprometida com as apostas online; e 23% deixou de comprar roupa, 19% itens de mercado, 14% produtos de higiene e beleza, 11% cuidados com saúde e medicações.
Vícios de apostas, dependência digital, transtornos de jogos ou ludopatia já foram diagnosticados clinicamente por médicos como os profissionais da equipe do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde há um programa ambulatorial para pessoas afetadas.
Ainda em São Paulo e também regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Maceió, Rio de Janeiro, Salvador estão em atividade irmandades dos Jogadores Anônimos, para ajuda mútua contra o jogo compulsivo.
Cassinos, bingos, jogo do bicho e corridas de cavalo
Os efeitos econômicos, sociais e de saúde mental ocasionados pelas plataformas eletrônicas de apostas esportivas em plataformas on-line podem ser potencializados com a aprovação do Projeto de Lei nº 2.234/2022, em tramitação no Senado, que autoriza a exploração em todo o território nacional de cassinos, bingos, jogo do bicho e aposta em corridas de cavalo.
Contudo, a contabilidade de arrecadação de quem defende a legalização dos jogos não deduz as perdas da tributação que estão ocorrendo em outros setores em meio ao crescimento de gastos com aposta e também não dimensiona o aumento de despesas do Estado com segurança pública e com atendimento à saúde mental.
Com informações, Gilberto Costa, Claudio Ferreira, Priscilla Mazenotti, Agência Brasil.
Acesse a Lei 14.790/2023, que dispõe sobre a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa>>
Acesse a PORTARIA SPA/MF Nº 1.207, que estabelece os requisitos técnicos dos jogos on-line>>
Acesse o site do Instituto Brasileiro Jogo Legal>>
Acesse o site do PRO-AMITI - Transtorno do Jogo>>