E assim começou Brasília...
Obras de restauração do Buraco do Tatu 'redescobrem' ponto onde Joffre Mozart fincou estaca que deu origem à capital federal
26 OUT 2024 - 12H07 • Por Wilson LopesDocumentos do Arquivo Público do DF (ArPDF) registram que o engenheiro Joffre Mozart Parada, incumbido pelo então presidente da Novacap, Israel Pinheiro, cravou, em 20 de abril de 1957, a estaca de madeira naquele que ficou conhecido como ‘Marco Zero’ do início da construção de Brasília.
O local seria a marcação do ponto exato de onde partiram as referências geográficas das primeiras obras da capital, as praças, as vias, os jardins, as tesourinhas, a Asa Norte, a Asa Sul e a quilometragem das vias do Distrito Federal (DF). “Portanto, a Estaca Zero é o ponto de nascimento e de irradiação de toda a urbanização de Brasília”, explica Elias Manoel da Silva, historiador do Arquivo Público do DF.
No entanto, o que era terra virou concreto e a estaca foi retirada. No lugar, ficou um disco de metal que, por anos, manteve-se encoberto por uma placa de concreto, sem nada dizer a quem passava pelo coração da capital.
Esquecido pela história e submerso pelo concreto, o ‘Marco Zero’ foi ‘redescoberto’ durante as obras de restauração do pavimento asfáltico, iniciadas em 1º de julho, no chamado Buraco do Tatu (passagem de 700 metros que liga os eixos rodoviários Norte e Sul, no Plano Piloto). Operários encontraram o disco, exatamente no cruzamento onde o Eixo Monumental e o Eixo Rodoviário se encontram. “Foi uma surpresa para a equipe, que não sabia do que se tratava. Ficou aquela questão de ‘tira ou não tira’ e aí parou o serviço que estavam fazendo ao redor dele, chamaram o engenheiro responsável e pediram para o pessoal do DER verificar”, lembra o engenheiro Carlos Humberto Santana, que acompanhou os trabalhos.
Bate-estaca
O historiador Elias Manoel da Silva, do Arquivo Público do Distrito Federal (ArPDF), explica que a atuação do engenheiro e topógrafo Joffre Mozart Parada, natural de Vianópolis (GO), foi decisiva para tirar o sonho de Juscelino Kubitschek das pranchetas de Lúcio Costa, uma vez que houve certa dificuldade para se chegar ao local exato do ‘Marco Zero’ na então Fazenda Bananal.
Joffre, então chefe da equipe de topografia da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), “é um anônimo na história de Brasília. No papel, o mérito é de Lucio Costa, mas no chão, foi ele que começou o projeto. Com a redescoberta do Marco Zero, a gente pretende honrá-lo e eternizá-lo, de forma concreta, na história do DF”, afirma Elias.
Preferia anonimato
Com a roupa tomada de terra e suor, sobre o cavalo ou no caminhão, Joffre trabalhava sem parar. No dia a dia para viabilizar a nova capital do Brasil, o profissional não via tempo ruim. Mas os trabalhos do engenheiro ficaram menos famosos, segundo a filha, Thelma Parada, porque o pai preferia o anonimato. “Ele era muito tímido. Quando apareciam fotos, até se escondia. Ele gostava muito de ficar atrás da máquina e ser o fotógrafo”, afirma a filha, de 69 anos, que também é engenheira. Ele morreu, no ano de 1976, perto de completar 52 anos, após um infarto.
Thelma explica que o pai ficou responsável por ir até as fazendas, a partir do ano de 1955 (cinco anos antes da inauguração de Brasília), para fazer as desapropriações. A esposa dele, Mercedes, o acompanhava e fazia as anotações. “Ela vinha com ele para as cidades próximas e trabalhava diariamente para ajudá-lo. E ele não parava o dia inteiro”. Como gostava mais de trabalhar do que falar, o engenheiro era discreto até no dia a dia. “O primeiro abraço forte que ele me deu foi o dia em que passei no vestibular para engenharia. Ele vibrou muito e me chamou de colega”.
Joffre, segundo recorda a filha, teve responsabilidade em adequar o projeto original do Plano Piloto, de Lúcio Costa, que se assemelhava a uma cruz. “Sob a sugestão do papai, ele passou a arquear as ‘asas’ do Plano Piloto para evitar inundações com as águas do Lago Paranoá”.
As homenagens à memória de Joffre, no entender da filha, têm relação com uma maior conscientização em resgatar as histórias da cidade, que completou 64 anos em abril. “As pessoas já estão mais preocupadas com a história. Ele faleceu ainda no regime militar”. Depois do golpe de 1964, o engenheiro pensou em deixar Brasília. “Ele estava muito triste e decepcionado e pediu licença do trabalho”. A própria família não sabia mais sobre as motivações porque ele “não era de falar” sobre esses temas em casa.
Trabalhador compulsivo
Todos estranharam porque o engenheiro era considerado inventivo e um workaholic (trabalhador compulsivo). “Sábado e domingo lá em casa era cheio de gente. A casa vivia cheia de mapas e pedras e equipamentos ali espalhados em toda a casa. Como ele fez o levantamento de todo o DF, ele conhecia tudo muito bem”. Como era engenheiro de minas, as pessoas levavam pedras diversas para que ele analisasse. A filha não lembra do pai em muitos momentos de diversão. “Parava sempre apenas para assistir ao jornal na televisão”.
A filha avalia que o trabalho incansável ia além das obrigações profissionais. Ela recorda que o pai era esperançoso com a mudança da capital para ser um local de mais justiça. “Eu mesma só entendi sobre o papel dele para a construção depois que ele morreu, de ser o primeiro engenheiro de Brasília”.
Com informações, Fernando Jordão e Mayara da Paz, da Agência Brasília; Luiz Claudio Ferreira, Agência Brasil.
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