Mais um plano que vai parar no lixo
Plano Nacional de Resíduos Sólidos prevê fim dos lixões em 2024; Prevê? Ainda restam três mil em todo o país...
13 OUT 2024 - 12H00 • Por Wilson LopesProvavelmente, no papel, o Brasil tem uma das legislações mais brilhantes, eficientes e modernas do mundo para tratar do lixo que produz. A começar pela Política Federal de Saneamento Básico, instituída por meio da Lei 11.445 (05/01/2007), posteriormente substituída pelo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026, 15/06/2020), um esforço governamental para universalizar a oferta de água potável, coleta e tratamento de esgoto, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e das águas pluviais urbanas.
Completa o arcabouço legal, administrativo e regulatório, após quase três décadas no Congresso sendo lapidada e polida, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305 (2/08/2010) que, ainda assim, ficou sendo maturada por quase doze anos até ser regulamentada pelo Decreto 10.936 (12/01/2022).
Na teoria, a Política é um documento garboso, que estabelece as diretrizes, responsabilidades, princípios e objetivos que norteiam os diferentes partícipes na implementação da gestão integrada e no gerenciamento dos resíduos sólidos.
Da costela da PNRS, precisamente do Art.15, nasceu o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), instituído, em seguida, pelo Decreto Federal 11.043 (13/04/2022).
Na prática, o Planares define os objetivos, ações e metas que, na prática, não serão cumpridos. O mais grave deles é a determinação para o encerramento de todos os lixões do País até 2024.
Em entrevista ao Jornal Cidade Verde, de Teresina (PI), o presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA), Pedro Maranhão, afirma que ainda existem cerca de três mil lixões em atividade no país, um deles inclusive na própria capital piauiense. “Estamos vivendo em uma época medieval”, esbraveja.
Números da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE) no relatório ‘Dados do Panorama dos Resíduos Sólidos 2021’ mostram que 39,8% dos resíduos coletados no país são destinados para aterros controlados e lixões a céu aberto, considerados ambientalmente inadequados. Praticamente o mesmo número do ‘Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2023’, da ABREMA: 38,9%.
Conforme a PNRS, “após a submissão dos resíduos sólidos urbanos (RSU) aos tratamentos e destinações disponíveis, os resíduos restantes, ou rejeitos, devam ser enviados para uma disposição final ambientalmente adequada. Essa disposição final deve observar normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar impactos ambientais adversos. A instalação que se enquadra nessa definição de disposição final é o aterro sanitário, uma obra de engenharia que inclui impermeabilização de base, coleta e aproveitamento ou queima de biogás, drenagem, coleta e tratamento de chorume, além de contar com monitoramento ambiental e geotécnico da área. Lixões, aterros controlados, valas, vazadouros e áreas similares não possuem essa proteção ambiental e são considerados ambientalmente inadequados para a disposição final de resíduos”, aponta o relatório da ABREMA.
No Brasil, estima-se que 38,9% dos resíduos sólidos urbanos coletados em 2022 foram encaminhados para lixões, considerados ambientalmente inadequados.
Plano Nacional de Resíduos Sólidos
METAS DO PLANARES Atual (2020, quando o plano foi criado) 2024 2040 Percentual dos municípios que cobram pelos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos urbanos por instrumento de remuneração específica 29,2% 100% Percentual dos municípios com planos intermunicipais, microrregionais ou municipais de gestão de resíduos 40% 51,8% 100% Quantidade de lixões e aterros controlados que ainda recebem resíduos 2.612 0 0 Quantidade de municípios que dispõem inadequadamente em lixão ou aterro controlado 3.001 0 0 Percentual dos municípios com presença de catadores com contrato formalizado de prestação de serviços de manejo de materiais recicláveis por cooperativas e associações de catadores 7,9% 24,5% 95% Percentual de recuperação de materiais recicláveis 2,2% 5,7% 20% Percentual da população total com acesso à sistemas de coleta seletiva de resíduos secos 37,8% 41,9% 72,6%
Aterros compartilhados
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) afirma que as cidades estão se ajustando ao Planares. Em 2023, a entidade realizou um ‘Diagnóstico da Política Nacional de Resíduos Sólidos’ para averiguar o cumprimento das prefeituras à legislação federal.
O levantamento da CNM apontou que 63,5% (2.545) das 4.008 prefeituras que responderam ao questionário contam com aterro sanitário (são 5.568 no total). E que 40% delas atuam em consórcios intermunicipais para gestão integrada de resíduos sólidos (em 2015 a taxa era de 29,5%).
O documento da CNM também revela que, quanto menor o município, maior o problema. Haja vista que uma de cada três cidades com menos de 50 mil habitantes conta com lixão (36%). Entre 50 mil e 300 mil habitantes o número cai para 26% e, nas cidades com mais de 300 mil moradores, os lixões aparecem apenas em 2% delas.
Balde cheio, balde vazio
O Marco Legal do Saneamento Básico (aprovado em 2020), em seu Art.54, previa que a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos deveria ser implantada até 31 de dezembro de 2020. Se os municípios tivessem elaborado plano intermunicipal de resíduos sólidos os prazos seriam:
- I - até 2 de agosto de 2021, para capitais de Estados e Municípios integrantes de Região Metropolitana (RM) ou de Região Integrada de Desenvolvimento (Ride) de capitais;
- II - até 2 de agosto de 2022, para Municípios com população superior a 100.000 (cem mil) habitantes no Censo 2010, bem como para Municípios cuja mancha urbana da sede municipal esteja situada a menos de 20 (vinte) quilômetros da fronteira com países limítrofes;
- III - até 2 de agosto de 2023, para Municípios com população entre 50.000 (cinquenta mil) e 100.000 (cem mil) habitantes; e
- IV - até 2 de agosto de 2024, para Municípios com população inferior a 50.000 (cinquenta mil) habitantes.
À luz do descumprimento, o deputado federal Adriano do Baldy (PP/GO) apresentou o Projeto de Lei 1.323/2024 que prorroga por mais cinco anos (ou seja, até 2029) o prazo estabelecido pela Lei 14.026/2020 para encerramento dos lixões em municípios com menos de 50 mil habitantes.
O deputado argumenta que a medida não é um retrocesso, mas, sim, um passo estratégico para a construção de um Brasil mais sustentável, pois os municípios abrangidos deverão implementar programas de coleta seletiva, incentivando a separação dos resíduos recicláveis e orgânicos. Atualmente o projeto aguarda designação de relator na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS).
Coleta seletiva é bem seletiva
A implantação da coleta seletiva apontada pelo deputado Adriano do Baldy seria uma ação louvável, se a coleta não fosse tão seletiva. Segundo dados do Diagnóstico Temático Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos, produzido pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS 2022), a coleta seletiva porta a porta atendeu apenas 1.630 dos 5.568 municípios brasileiros (28,2%). Isso, no geral, pois nas regiões Sul (52,8%) e Sudeste (35,6%), o percentual de cidades atendidas é bem maior do que no Centro-Oeste (21,7%), Nordeste (7,8%), e Norte (7,3%).
Melhor do que colocar embaixo do tapete, é colocar o lixo na lixeira certa. É o que vem fazendo a Localiza Urbanismo, empresa com sede em Goiânia (GO) que mantém desde setembro do ano passado o programa de reciclagem Localiza Recicla, que dá a destinação adequada para seus próprios resíduos e também de seus colaboradores.
Conforme a diretora Bárbara Tavares, a iniciativa visa dar um destino correto aos materiais recicláveis. “Além de nos tornarmos um empreendimento mais sustentável, proporcionamos aos nossos colaboradores um local para a correta destinação dos recicláveis e, ao mesmo tempo, contribuímos com a fonte de renda de famílias que integram a cooperativa, para qual levamos tudo que é recolhido e separado aqui na empresa”, pontua.
A assistente de negociação Stephany Fernandes Santiago, é uma das colaboradoras engajada no programa de reciclagem. Ela conta que o hábito de separar os materiais recicláveis começou a partir da iniciativa de seu filho, de 11 anos. “Ele trouxe esse aprendizado da escola, e eu e meu marido adotamos a prática na nossa rotina familiar”, revela.
Outra colaboradora que faz questão de deixar a sua contribuição é a auxiliar de serviços gerais Valdilene José de Oliveira Rodrigues. Ela é a responsável por organizar diariamente a segregação dos itens. “Como o fluxo de colaboradores por aqui é alto, sempre tem alguém comendo uma bolacha, tomando um iogurte, e tudo isso resulta em materiais recicláveis”, relata. Ela conta que diariamente, quando vai recolher o lixo da empresa, faz uma varredura detalhada para separar o máximo de itens que poderão ser reciclados.
O programa de reciclagem da Localiza Urbanismo foi iniciado em setembro de 2023, com o objetivo de realizar o descarte adequado dos resíduos produzidos pela companhia. “Quando a empresa nos procurou, propomos um plano de ação ousado, de eliminar o que chamamos de ‘lixo' e desviar do aterro sanitário de Goiânia o máximo de materiais possíveis. Foi então que iniciamos um Plano de Gerenciamento de Resíduos (PGRS), por meio do qual foram examinados o local, a geração e a destinação do lixo”, explica o consultor de sustentabilidade e fundador da Ciclo Trash, empresa responsável pela implantação do projeto, Marcus Vinicius Trindade Affonso.
A partir daí, segundo o consultor, foram propostas medidas para a diminuição da geração de lixo e o descarte em duas frações: recicláveis (secos) e orgânicos (itens úmidos e restos de alimentos). As coletas dos recicláveis e rejeitos são realizadas quinzenalmente pela Cooperativa Beija-Flor, que beneficia cerca de 20 famílias.
Além da participação de uma cooperativa de materiais recicláveis, outro diferencial apontado por Marcus Vinícius é a tecnologia envolvida. "Os resíduos recicláveis gerados pela Localiza Urbanismo, ao serem coletados, alimentam um sistema operado pelos próprios cooperados, que fazem a rastreabilidade do material e geram um número de impacto positivo. Este relatório é usado pela Localiza como forma de engajamento com seus colaboradores, destacando o seu conjunto de práticas sustentáveis das agendas de Environmental, Social and Governance (ESG)", enfatiza.
Desde a implantação do programa interno, que ainda não completou um ano, foram recolhidos e entregues para a reciclagem 1,4 toneladas de resíduos sólidos. “O impacto disso equivale à retirada de 2,67 toneladas de CO2 do ar, a preservação de quatro árvores que deixaram de ser cortadas, a economia de 14 milhões de litros de água e economia de 8.450 kw/h de energia, o que é suficiente para abastecer 56 casas num único dia”, detalha Marcus Affonso.
Negócio jogado no lixo
Se é um bom negócio para o meio ambiente, a reciclagem também é fonte de geração de emprego, renda, uso eficiente dos recursos e oportunidades de negócios. Entre os resíduos secos provenientes de embalagens, 98,7% (contra 97,4% de 2020) das latas de alumínio têm destino certo: a mão de alguém que irá reciclar. “De um total de 33,4 bilhões de latas de alumínio comercializadas no mercado interno, 33 bilhões foram recicladas”, revela Alfredo Veiga, coordenador do Comitê de Mercado de Reciclagem da Associação Brasileira do Alumínio (ABAL), referente a 2021.
Em seguida, papel/papelão (66,9%), latas de aço (47,1%) e embalagens multicamada (42,7%) também alcançam boas taxas de reciclagem. Já o plástico (22,1%) e, principalmente, o vidro (25,8%) ainda têm um longo caminho a percorrer.
A PNRS define a reciclagem “como o processo de transformação dos resíduos sólidos que envolve a alteração de suas propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos”.
Entre as capitais, apenas São Luís (5,4%), no Maranhão, e João Pessoa (5,3%), na Paraíba, conseguem superar a barreira dos 5% da taxa de recuperação de recicláveis secos em relação ao total de lixo coletado (resíduos domiciliares + resíduos sólidos públicos).
Em outras 17 capitais, o índice sequer alcança a 1% de recuperação de recicláveis, o que mostra o tamanho da montanha de lixo que temos pela frente.
Os motivos apontados pela PNRS para a baixa adesão são carência na infraestrutura dos serviços, cadeia logística oscilante e descontinuada, elevada tributação incidente sobre as diferentes etapas, concorrência desleal com alternativas de destinação final inadequadas (lixões e aterros controlados).
Mahatma Gandhi (1869/1948), líder espiritual que guiou o povo indiano na campanha pela independência da Índia do Reino Unido, costumava pregar que devemos ser a mudança que queremos ver no mundo. Que tal começarmos reduzindo os 380 quilos de lixo que cada um de nós produz por ano?
Com informações, Flávia Juliate, Comunicação Sem Fronteiras.
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