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SOS Mata Atlântica

Mata Atlântica tem só 12% de florestas bem preservadas

Bioma cobre 3.429 municípios em 17 estados e luta para manter biodiversidade

10 NOV 2024 - 09H44 • Por Wilson Lopes
A expansão da ocupação urbana no bioma, onde vivem cerca de 70% dos brasileiros, é uma das principais causas da devastação da Mata Atlântica - Pixabay

Paula Pimenta, da Agência Senado - A Mata Atlântica está presente em 3.429 dos 5.568 municípios brasileiros. É 100% dominante no território do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina e 98% do Paraná. Também se espalha por Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Sergipe, Paraíba, Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí. Há, ainda, uma pequena porção na Argentina e no Paraguai.

Com histórico de devastação iniciado logo após a chegada dos colonizadores europeus, há mais de 500 anos, a Mata Atlântica tornou-se o bioma brasileiro com os piores índices de conversão da cobertura vegetal original e consequente perda de biodiversidade. 

Da área original do bioma de 1,1 milhão de quilômetros quadrados, nada menos que 71,3% das florestas tropicais nativas, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), já foram desmatadas para exploração durante diversos ciclos econômicos (como pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro e café), expansão da ocupação urbana (no bioma vivem cerca de 70% dos brasileiros, aproximadamente 145 milhões de pessoas), construção de ferrovias e rodovias e avanço da agropecuária.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), a Mata Atlântica detém a segunda maior biodiversidade das Américas, perdendo apenas para a Amazônia. Apesar de ser o único bioma a usufruir de uma norma específica — a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428, de 2006) e ser considerada patrimônio nacional pela Constituição Federal, como um grande centro de espécies endêmicas (que só ocorrem na região), a floresta continua em risco.

Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que, de 11,8 mil espécies de animais e plantas da Mata Atlântica avaliadas em 2022, 24,1% (2.845) estavam ameaçadas. O percentual continua crescente (em 2014, era de 22,3%) e é bem superior aos dos demais biomas: no Cerrado, por exemplo, onde a situação também é crítica, os índices ficaram na casa de 16% nos dois anos comparados. 

Cobertura florestal original

Atualmente, o bioma conta com apenas 12% de florestas bem preservadas e maduras, em relação à cobertura florestal original. Sob o ponto de vista ecológico, uma perda de área nessa magnitude significa uma tragédia em termos de conservação da biodiversidade e manutenção de processos naturais vitais, como ciclo das águas, regulação do clima local e regional, formação e preservação de solos e equilíbrio de processos ecológicos como polinização, dispersão de sementes das florestas e controle de pragas, afirma o consultor legislativo do Senado Matheus Dalloz.

Dalloz também reconhece a importância de se ter e manter uma lei específica de proteção, o que, a seu ver, não deveria estar restrita à Mata Atlântica, mas também aos demais biomas. “Infelizmente, todos os biomas brasileiros passam por um processo de ocupação desordenada, com exploração não sustentável e degradação dos ecossistemas, mesmo que cada bioma tenha suas próprias particularidades em termos de história natural e de ocupação humana.”

Em 2023, o Senado rejeitou emendas da Câmara dos Deputados à Medida Provisória (MP) 1.150/2022, que originalmente apenas alterava o Código Florestal para ampliar o prazo para adesão ao Programa de Regularização Ambiental. As emendas traziam propostas de mudanças significativas à Lei da Mata Atlântica, como a previsão de hipóteses de desmatamento sem medidas de compensação.

Biodiversidade sob pressão

Formada em sua maioria por florestas tropicais, a Mata Atlântica — cujo dia é celebrado em 27 de maio — proporciona algumas das paisagens mais belas e cênicas ao longo da costa brasileira. Esse rico ecossistema, assim como o Cerrado, está sendo classificado como um hotspot por deter uma grande biodiversidade, altamente ameaçada pela ação antrópica. O bioma é o mais estudado cientificamente entre os ecossistemas brasileiros e abarca o maior número de espécies conhecidas, seja na flora ou fauna.

Bastante heterogênea, a Mata Atlântica tem vegetações moduladas por aspectos de relevo, da paisagem e do clima. Além das florestas, é possível desfrutar da vista das formações de restinga (linha de praia), manguezais, campos rupestres, campos de altitude, entre outras.

Numa altitude um pouco mais elevada e mais restrita às montanhas, em um clima úmido, estão as florestas ombrófilas, ou seja, “amigas da chuva”. Já a formação de platô é geralmente mais encontrada no interior do país, onde a altitude é mais baixa em relação às matas do litoral e onde também se registram períodos de seca, quando muitas das árvores perdem parte de suas folhas.

Conforme levantamento oficial do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (braço do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima responsável pelo registro nacional) há cerca de 21,2 mil espécies de flora e funga (fungos) catalogadas no bioma, dos quais 10,5 mil seriam endêmicas do Brasil.

SOS Mata Atlântica

De acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, apenas 13% do bioma está inserido em diferentes tipos de áreas de proteção, sendo que somente 9% são dedicados exclusivamente à conservação.

É preciso lembrar ainda que na Mata Atlântica estão algumas das maiores bacias hidrográficas brasileiras, que asseguram água potável a uma grande quantidade de cidades do país. Há preocupação com a baixa cobertura vegetal de algumas bacias, o que afeta a produção de água. Levantamento da rede colaborativa MapBiomas apontou, por exemplo, que a bacia do Paraná teve a cobertura nativa reduzida de 24%, em 1990, para 19% em 2020.

Bastante representativos da fauna brasileira, muitos animais da Mata Atlântica estão há décadas na lista dos ameaçados. É o caso do simbólico mico-leão-dourado, que esteve à beira da extinção quando reduzido a uma população de aproximadamente 200 indivíduos na década de 1970 e atualmente aparece na lista do Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), como “em perigo”.

Esses pequenos e simpáticos primatas de cor chamativa podem se alimentar de mais de 60 tipos de plantas e contribuir para a dispersão de suas sementes nos ambientes em que vivem. Graças a esforços de conservação da espécie, o número de exemplares atualmente é pelo menos 15 vezes maior, mas ainda não suficiente para afastá-los dos ameaçados de extinção.

De acordo com o sistema Salve, das atuais 6.387 espécies avaliadas (todos os vertebrados e alguns invertebrados), 561 estão em categorias de ameaça, sendo que cerca de 330 delas são endêmicas. A lista de espécies ameaçadas na fauna é 2,5 vezes maior que a da Amazônia.

São 168 na categoria “criticamente em perigo”, 205 “em perigo” e 188 em “vulnerável”. Entre eles, estão espécies como grazina-de-trindade, albatroz-gigante, pica-pau-amarelo, sapo-de-chifres, jararaca-ilhôa, bugio, mico-leão-da-cara-preta e da cara-dourada, macaco-prego, morceguinho-do-cerrado, gato-do-mato, tatu-canastra, anta, tamanduá-bandeira e onça-pintada.

‘Efeito de borda’

Um dos principais riscos para as espécies da fauna é a destruição e degradação dos habitats. Artigo já publicado na revista científica britânica Nature apontou que o efeito de borda — quando as características de outro ambiente penetram na floresta até uma certa distância — tem impacto nos vertebrados que vivem nas florestas.

Um dos autores do estudo, o professor em Ecologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Danilo Ribeiro explica que a maioria das espécies é afetada, e a tendência de perda de floresta em todo o mundo torna isso ainda mais preocupante.

Quando há a transformação para outro tipo de cobertura vegetal, como pasto ou campo, ocorre a diminuição da quantidade local de floresta e, consequentemente, o que era bloco único acaba sendo fragmentado. Essa fragmentação leva ao aumento do efeito de borda, ou seja, enquanto no interior da floresta os animais convivem com um ambiente mais úmido, fresco, escuro ou sombreado e mais protegido do vento, na borda eles encontram um clima mais seco, quente e com mais claridade.

E as características serão diferentes a partir da distância do limite da floresta para dentro: com uma distância de 50 metros, por exemplo, há uma realidade; com outro ponto mil metros para dentro, a situação do habitat já é outra. O estudo mostrou que o ambiente mais ideal para muitos animais está mais próximo do núcleo da floresta, e não da borda.

Para a publicação do estudo, os pesquisadores analisaram 22 pontos distribuídos em várias regiões do mundo (entre eles, 2 na Mata Atlântica e 3 na Amazônia). Em 2017, apenas 30% dessas florestas tinham o seu núcleo a mais de mil metros da borda, o que é preocupante, já que os cientistas perceberam que, em média, os animais sofrem o efeito de borda a uma distância aproximada de 100 a 400 metros, sendo que para alguns pode chegar a um quilômetro de distância.

Sistema Costeiro-Marinho

A Mata Atlântica e o Sistema Costeiro-Marinho, que também aparece na Constituição como patrimônio nacional, estão intrinsicamente ligados. De acordo com o IBGE, o bioma, que possui a maior extensão de costa no país, abriga 20% desse sistema.

Em sua parte continental, o Sistema Costeiro-Marinho não ocupa mais do que 1,7% do território nacional, e a parte terrestre representa 6,27% de sua área total. O estudo do IBGE apontou que havia, em 2022, 2.286 espécies da fauna catalogadas e que, entre elas, 48 estavam “criticamente em perigo”, 37 “em perigo” e 85 foram classificadas como “vulnerável”. Contudo, a analista ambiental do IBGE Angelita Coelho afirma que há muita dificuldade de obtenção de dados na região marinha.

A fauna marítima tem sido bastante impactada pela poluição dos mares e os efeitos das mudanças climáticas. O aumento da temperatura nos oceanos já causa problemas sérios como o branqueamento dos corais.

Uma das ameaças mais contumazes às espécies é a pesca, segundo o coordenador de Avaliação do Risco de Extinção das Espécies da Fauna (Cofau) do ICMBio, Rodrigo Jorge.

Um grupo que é muito afetado pela captura incidental são os tubarões. Há uma proporção considerável de espécies de tubarão ameaçadas de extinção, principalmente as mais longevas.

Isso é tanto de interesse da conservação da biodiversidade das espécies do país e do mundo como de interesse da própria indústria pesqueira, segundo o coordenador do ICMBio, "porque não se quer que as espécies se extingam, que colapsem".

Plano nacional de ação

Uma tentativa de frear o avanço na devastação da floresta pode surgir neste ano. O governo federal promete lançar no fim do primeiro semestre de 2024 o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Mata Atlântica. O processo de elaboração, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMA), inclui um seminário técnico-científico sobre as causas do desmatamento no bioma, além de reuniões com parceiros que podem auxiliar no desenvolvimento da iniciativa.

O plano deverá estabelecer metas para contenção do desmatamento no bioma e prever “atividades produtivas sustentáveis, monitoramento e controle ambiental, ordenamento fundiário e territorial e instrumentos normativos e econômicos”.  A política deve seguir os moldes do plano que já foi feito para a Amazônia, em 2004 (o PPCDAm, considerado responsável pela significativa queda do desmatamento na região nos anos posteriores), e para o Cerrado, no ano passado. Os demais biomas (Pampa, Pantanal e Caatinga) também devem ser contemplados com planos específicos.

Em uma linha de retomada da proteção socioambiental e de cumprimento de metas de combate às mudanças climáticas, o Executivo também promete investir em concessões para a recuperação dos biomas. Em junho de 2023, o MMA lançou o primeiro de uma série de editais de concessão destinados à recuperação de florestas e ao plantio de espécies nativas da Mata Atlântica. A ação é uma parceria do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na primeira etapa foram contempladas as Florestas Nacionais de Irati, no Paraná, e de Chapecó e Três Barras, ambas em Santa Catarina.

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