Depois de 30 anos em discussão, o principal desafio da agenda econômica do Brasil chegou ao desfecho final. Com a aprovação pelo Congresso Nacional do texto da reforma tributária, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), já adotado em mais de 170 países, acabará com a tributação em cascata no país.
No Brasil o sistema que será implantado é o IVA Dual, dividido em dois tributos. Um federal, que se chamará Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e unificará PIS, Cofins e IPI. O imposto estadual, chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), reunirá o ICMS (estadual) e ISS (municipal).
A alíquota do novo imposto deverá variar entre 20,03% e 30,7% (uma das maiores taxas do mundo), segundo o Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) da Instituição Fiscal Independente (IFI). Atualmente, a carga tributária brasileira é estimada em 33,7% pelo Observatório de Política Fiscal.
Para a especialista em processos de reforma e mudanças tributárias Rita de La Feria, o Brasil tem um dos piores sistemas tributários do mundo. Em entrevista aos âncoras Milton Jung e Cassia Godoy do Jornal da CBN, a professora da Universidade de Leeds (Reino Unido) acredita que o país “sentirá na pele” os efeitos da reforma tributária, que criará um sistema transparente, democrático e promotor do desenvolvimento econômico.
Como os brasileiros sentirão os avanços da reforma tributária?
Há avanços de vários níveis em várias fazes. O primeiro é a transparência. O brasileiro não sabe o quanto paga de impostos quando compra pão, leite, feijão. Portanto, o primeiro ganho é democrático. A médio prazo, haverá ganhos econômicos, em termos de empregos e de investimentos. O sistema tributário brasileiro estava muito atrás, em comparação com o resto do mundo. Portanto, é um avanço muito grande para atrair investidores e negócios estrangeiros, além de um benefício para as exportações, que saem do Brasil com uma carga tributária atracada no preço. Agora, os produtos brasileiros vão sair limpos de impostos, muito mais competitivos.
Por que o IVA é considerado vantajoso?
O IVA surgiu, em termos teóricos, nos anos 1920 e foi implementado em 1950. E não é uma coincidência que tenha se espalhado pelo mundo todo. É considerado, no direito tributário, o imposto mais bem sucedido no mundo todo. Ele cria um imposto geral sobre o consumo, que é cobrado uma única vez, sem cumulatividade. Ao contrário do que acontece hoje no Brasil, onde vários impostos incidem sobre o mesmo produto.
Já se tem um cálculo de quanto será a alíquota desse imposto?
Não, mas há uma correlação entre as exceções e a alíquota padrão. Todas as concessões que foram dadas a setores e produtos irão aumentar a alíquota padrão. Certamente seria menor se não houvesse as concessões inseridas pela Câmara e pelo Senado. Mas foi uma opção política.
As concessões foram a parte ruim dessa reforma tributária?
Na minha opinião técnica, sim. Mas entendo que em um país do tamanho do Brasil, com tantos interesses diferentes e forças políticas divergentes, obviamente percebo que há a necessidade de se fazer concessões políticas. Do ponto de vista técnico, esta é a parte mais sensível dessa reforma. Costumo dizer que reformas tributárias são jogos de vantagens comparativas. Ou seja, vocês estão muito melhores agora do que estão até então. E fico contente pelos brasileiros que nem sabem dessa reforma, mas que vão sentir no seu dia a dia os seus efeitos a médio prazo.
Foram feitas concessões que eu não faria. Seria preferível uma base tributária mais ampla.
É possível que o brasileiro perceba uma queda no valor dos produtos?
É impossível fazer o controle do que vai acontecer, mas isso ocorrerá nos próximos anos. O brasileiro saberá o que irá pagar, na fatura. Esse é o princípio da concorrência de preços. Agora será claro para todos, não há como esconder.
Há exemplos de outros países que tiveram uma mudança significativa após a implantação do IVA?
A resposta é “todos”. Não é um acidente que o IVA tenha se espalhado para o mundo todo. É um imposto transparente, neutro, que é amigo das exportações, dos investimentos. Mais recentemente foi adotado pelos países produtores de petróleo do Oriente Médio. Em Angola, já é segunda maior fonte de receita do país.
No Brasil foi aprovado o IVA Dual... Isso atrapalha a arrecadação e a transparência?
A transparência, não. O Canadá adotou o mesmo sistema há anos e roda sem problemas. Prefiro o IVA único, porque cria uma intepretação única da lei, mas o IVA Dual funciona e não vejo razão pela qual não funcionaria no Brasil. O Brasil tinha um sistema tributário péssimo a nível legislativo, mas o país tem uma administração tributária sofisticadíssima. Portanto, acredito que o IVA Dual será implantado com sucesso.
Rita de La Feria, portuguesa, é associada do Centre for Business Taxation da Universidade de Oxford; licenciada em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa; doutorada em Direito Fiscal Europeu pela Universidade de Dublin, Trinity College; consultora fiscal na Arthur Andersen de Lisboa e de Dublin; professora nas Universidades de Dublin, Trinity College e Queen’s Belfast nas cadeiras de Direito Econômico e Fiscal.
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